terça-feira, 26 de outubro de 2010

Clã Venture (Por dentro da história...)

                                                        San Venture (O beijo da Morte)



Paris, 1789...
...Prevendo o destino que me aguardava eu decidi fugir para a floresta que margeava a vila e longe pensaria que rumo dar a minha vida. Nela eu sabia que podia encontrar abrigo nas casas dos camponeses, pelo menos por um tempo. Eu queria sair da França, queria viver a minha própria vida, fazer minhas escolhas e isso era impossível para uma jovem naquela época.

Eu era diferente.

Não me adequava aos costumes, não agradava ou era motivo de orgulho à minha tradicional família.

E foi assim que eu cheguei à floresta em uma arejada manhã do mês de outubro. A brisa era suave, fresca e fazia movimentos leves em meu cabelo cor de mel. Eu estava ansiosa, mas não com medo. Eu tentava decidir o que fazer e a quem procurar... Que rumo daria para minha vida.

Andei por horas até me sentir cansada. Meus joelhos doíam muito e sentei-me à sombra de um carvalho para refletir melhor. Eu precisava encontrar ajuda, não demoraria a noite chegar e a floresta se tornaria perigosa. Senti muita angústia em meu coração e muita solidão.

Mas eu não ia voltar.

Minha família a esta altura percebera que fugi e não me aceitaria novamente e, caso aceitasse, eu seria entregue ao casamento arranjado. Enquanto refletia sozinha, comecei a rabiscar uma folha de papel que estava dentro da pequena sacola que eu levava comigo... Eu sempre escrevia para desabafar, para pensar melhor e exteriorizar meus sentimentos. Olhei para as águas do lago à minha frente, ele estava sereno. Aquele lago sempre esteve ali, represado, não se modificava.

Eu queria mudar! Queria ter uma vida com amor, paixão e queria descobrir o mundo ao meu redor. Queria ser livre, decidir!

Foi neste momento que senti que não estava mais sozinha ali.

Minha primeira reação foi me levantar imediatamente, tensa, depois comecei a olhar ao redor, não havia ninguém.

Olhei mais e mais, minutos se passaram nada estranho, só o barulho do vento.

Foi então que observei entre as árvores e vi uma figura borrada, porém parecia perfeita, em harmonia com a vegetação, quase camuflada.

Era surreal!

Ao focar meus olhos percebi que era uma figura com roupas elegantes e parecia olhar-me com curiosidade. Não sei explicar, mas eu pude sentir que ela queria falar-me algo.

Subitamente, a imagem desapareceu e em seguida, de uma maneira impossivelmente veloz, reapareceu perto de mim.

Perdi o fôlego, tive medo. Uma sensação de calma, de tranqüilidade, me envolveu. Ela se aproximou e simplesmente estendeu a mão em minha direção, como se dissesse “venha comigo”.

Eu recuei. “Quem seria aquela linda mulher no meio da floresta?” Pensei.

“O que ela queria comigo?”.

Foi então que algo impressionante aconteceu e eu não lembro bem de que forma começou, mas ela tocou a minha mão e eu pude sentir suas emoções. Eu estava numa espécie de sonho, tudo se misturava... Realidade, fantasia, concreto, abstrato... Meu coração disparou e de repente, eu não me sentia mais sozinha ou perdida. Eu sentia que podia confiar naquela mulher e seus olhos doces me fitavam com amizade.

Ela então afastou levemente os lábios e pronunciou um nome – Nina – estendendo a mão em um cumprimento nada convencional para aquela época. Damas inclinavam-se em reverência, e não apertavam as mãos como dois cavalheiros fariam.

Eu a observei, curiosa, não só pela imagem que tinha dela, mas pela maneira como tudo parecia claro para mim, meu coração estava quieto. E eu sabia que ela era bondosa, mesmo que isso parecesse absolutamente estranho.

Nina sentou-se perto de mim e eu repeti o gesto. Passamos então a nos comunicar por palavras. Ela falou durante um bom tempo e parecia que isso não a cansava. Contou-me sobre ela, sobre sua vida solitária. Ela tinha apenas a mãe, Arwin, mas seu sonho era ter uma família. Eu ouvi tudo com interesse, mesmo sem saber o que aquilo representaria para mim, afinal, eu estava sozinha, com fome e sem ter para onde ir, eu só queria ajuda, qualquer ajuda.

A noite já escurecia o céu e, percebendo minha inquietação, Nina me olhou profundamente. Depois ela virou-se de costas e disse que não havia contado toda a verdade sobre sua vida e que esta verdade poderia ser demais para mim.

Este momento pareceu-me como uma cena que só vemos nos filmes de suspense ou terror. Senti curiosidade, mas o medo me paralisava.

Ela fez uma pausa e depois perguntou se eu gostaria de saber sobre essa verdade.

Trocamos um olhar firme, havia algo diferente nos olhos daquela mulher... Senti como se eu estivesse dentro do filme, fazendo parte da cena e isso era assustador. Um instante único, algo que poderia mudar o meu destino para sempre. Aquele momento marcaria minha vida eternamente, eu podia sentir.

Tive medo, mas eu não tinha escolha, era aceitar a ajuda daquela estranha figura ou voltar para casa, para minha “prisão”.

Então, eu fiz a minha escolha e pedi para ouvir tudo, mesmo tendo a impressão de que não haveria volta, não existiriam arrependimentos.

Seria ela uma assassina?

Seria uma cortesã em busca de mais uma moça para explorar ou uma criminosa insana?

Eu era jovem e poderia dizer que a minha aparência seria útil para alguém que ganhasse a vida entretendo homens nas noites da agitada Paris. Eu era alta, cabelos claros e olhos claros, estava mal vestida naquele momento, mas ela podia ver que eu era bonita, eu serviria.

Seria isso então, ela buscava uma menina para explorar nas noites parisienses?

Mas que outra opção eu teria?

Minha vida estava naquele ponto em que só existia uma saída, ir em frente e mudar. Preparei-me para escutar o que quer que fosse. Afinal, o que uma dama elegante como ela poderia ter de tão secreto em sua vida?

- E então? Quer saber o que estou fazendo aqui e posso fazer por você? Aliás, eu posso fazer por você e você por mim... – Ela insistiu.

- Tudo bem, o que tenho a perder? Pode falar. – Consenti a dúvida pairando em minha voz.

- Antes, diga-me qual o seu nome? – Ela sorriu e deu alguns passos em minha direção.

- San. Sorri amarelo.

Este foi o último momento humano de que me recordo.

O que sei agora é o que Nina conta, sempre que tenho vontade de ouvir sobre o dia da minha “criação”.

Sim, nada mais apropriado que criação para descrever o que acontece, se bem que transformação me soa mais correto.

Ela diz que eu ouvi tudo com uma aparente e desconcertante calma, inclusive a palavra “vampira”. Não demonstrei ter medo dela, ao contrário, eu estava descrente. Eu apenas ri e disse que aquilo tudo era imaginação dela, que criaturas sobrenaturais não existiam. Eu parecia admirada, incrédula, mas não havia medo em meu olhar, talvez por eu não acreditar no que ela falava. Então ela me perguntou se eu gostaria de ver o mundo de uma maneira única e incrível... Ela disse que eu tinha algo que ela queria, que eu seria útil em um propósito maior. Antes de morder o meu pescoço - tão rapidamente que quase não entendi o que era aquela dor rasgando minhas veias - ela pôs as mãos em minha testa, bilateralmente, e disse-me que eu tinha algo muito precioso para os planos dela. A Partir daquele dia eu veria o mundo como ela e alguns poucos o viam, de ser sua primeira filha na eternidade. Se aceitasse eu teria uma família e compreensão, além de liberdade para decidir meu destino.

Mas também teria momentos de dor, solidão e conflitos, pois apesar de algumas coisas se tornarem extremamente fáceis, diferente da mortalidade a imortalidade trazia consigo mitos e lendas de criaturas malignas, sombrias. Haveria certas, restrições no contato com os humanos.

Eu aceitei, embora nada estivesse claro para mim. Principalmente a maneira como ela pronunciava: humanos. Aquilo era um detalhe estanho – Pensei.

No fundo, não acreditava e queria que ela provasse de alguma forma, a insanidade que dizia. Aceitei que ela me mostrasse como poderia me modificar ou transformar, mas exigi que, caso ela fracassasse ao “fazer a tal mágica”, ela teria que me dar abrigo e comida.

Ela apenas sorriu...

Silêncio. Silêncio. Silêncio.

Dias se passaram na completa escuridão e inconsciência.

Nada, apenas silêncio.

Minhas novas lembranças referiam-se a acordar de um sono profundo, me sentindo outra pessoa, mas sendo eu mesma. Era uma nova versão de mim. Não uma versão perfeita, mas mais forte decidida. Eu tinha também novas e estranhas lembranças, que, de alguma maneira, não eram minhas. Agora eu podia descrever Nina com clareza. Ela era alta, cabelos louros e ondulados. Impecavelmente vestida e tinha a voz mais doce que meus ouvidos já ouviram. Ao despertar vi outra figura feminina que me observava.

Chamava-se Arwin.

Logo que “acordei” descobri que ela havia feito a Nina o que Nina fez a mim, ou seja, aquilo, “fosse o que fosse”, havia começado com ela (pelo menos eu acreditava nisso).

Arwin era baixa, tinha cabelos escuros longos e com cachos nas pontas, seus lábios eram volumosos. Possuía a mesma voz tranqüilizadora de Nina, só que mais relaxada, divertida.

Os primeiros anos foram difíceis, pois alguns “defeitos” se acentuaram em minha personalidade. Eu era racional demais, rígida e instável. Meu coração era selvagem e Nina e sua “mãe” - ou criadora, agora minha “avó” - tinham dificuldades em conquistar minha confiança, embora eu já não pudesse existir sem elas. Éramos uma 'família', Nina e Arwin me ensinaram muito.

Eu precisava entender as novas regras...

Era difícil compreender este novo mundo, suas limitações e, ao mesmo tempo, suas possibilidades infinitas. Desde humana tive boa educação e assim as regras foram rapidamente assimiladas.

Mas havia uma limitação que eu não conseguia assimilar...

Eu tinha fome, ou melhor... Sede.

Séculos depois da minha transformação entendi o que Nina quis dizer com "algo que será útil". Eu possuía um dom. Algo que fez com que o sonho de Nina se tornasse concreto...Mas, antes disso, Nina trouxe para nós mais duas filhas dela - minhas irmãs - Nitta e Mel.

Mais tarde teve início uma longa viagem em grupo... Em meio a paisagens estranhas, um novo mundo, comecei a executar e construir as paredes de uma casa única e imprevisível...



E assim nasceu a semente do clã Venture, que seria erguido mais tarde...